quarta-feira, 31 de maio de 2017

BÁRBARA TUCHMAN: A ARTE DE ESCREVER HISTÓRIA


                Bárbara Tuchman é a historiadora de maior sucesso nos Estados Unidos, duas vezes agraciada com o Prêmio Pulitzer. Em seus textos e palestras, apresenta-nos lições sobre sua arte. Vamos compilá-las, com propósito didático. Divulgar a arte de escrever é um dever do ofício de professor e orientador.

                Escrever história de modo a encantar o leitor e a tornar um assunto tão cativante e emocionante para ele quanto para ela tem sido seu objetivo, desde o fracasso inicial com sua tese. Foi classificada como dotada de um “estilo medíocre”. Comentário dela sobre a tese: “tão bela – na intenção – e tão mal escrita”... o entusiasmo não tinha sido suficiente; era preciso saber também usar a língua. 


Visão, conhecimento e experiência não fazem um grande escritor, só com o domínio da língua que se tornará a voz dessas virtudes.

                Antes de mais nada, a paixão pelo assunto é indispensável para se escrever bem. Mas não basta. Bárbara descobriu que se aprende a escrever, escrevendo. Descobriu que um elemento essencial para se escrever bem é um bom ouvido. Devemos ouvir o som de nossa prosa. Em sua opinião, as palavras curtas são sempre preferíveis às longas. Quanto menos sílabas, melhor! Os monossílabos... são os melhores de todos!

                As palavras têm um poder autônomo, quase atemorizador, de produzir na mente do leitor uma imagem ou ideia que não estava na intenção do autor. O uso descuidado das palavras pode deixar uma falsa impressão que não se pretendia.

                Para Bárbara, o problema está no fato de que a arte de escrever lhe interessa tanto quanto a arte da História

Tuchman vê a História como arte, não como ciência. 

Quando escreve, é seduzida pelo som das palavras e pela interação de som e sentido. As palavras constituem material sedutor e perigoso, a ser usado com cautela.

                Pergunta-se: – “Sou, em primeiro lugar, escritora ou historiadora?” Ela mesma responde: – “As duas funções não precisam estar, e de fato não devem estar, em guerra. A meta é a fusão". 

"Em longo prazo, o melhor escritor é o melhor historiador”.

                A História é vista como literatura, em oposição à História como ciência. Sua exposição deve ser feita em todo o seu valor emocional e intelectual, a um amplo público, através da difícil arte da literatura. Note-se: “amplo público”! a ênfase deve sempre ser dada à escrita para o leitor comum, em contraposição à escrita apenas para os colegas eruditos. Quando escrevemos para um público amplo, temos de ser claros e interessantes. Esses são os critérios que determinam um bom texto.

                O leitor é a pessoa que deve se ter sempre presente. Escrevamos nossos textos com um cartaz pregado acima de nossa mesa, perguntando: “Irá o leitor virar a página?”

                O objetivo do autor é – ou deveria ser – manter a atenção do leitor. Querer que o leitor vire a página e continue a fazê-lo até o fim. Isso só acontece quando a narrativa avança com firmeza, e não quando entra num impasse, sobrecarregada de todos os detalhes descobertos na pesquisa, significativos ou não. Contra o texto tipo “rol de roupa”, o lema: “a exclusão de tudo que é redundante e de nada do que é significativo”!

                O leitor é a outra metade essencial do autor. Entre eles há uma ligação indissolúvel. São necessários dois para cumprir a função da palavra escrita. Os escritos não nascem não têm vida independente, enquanto não são lidos. Logo, primeiro é preciso prender o leitor.

                Bárbara é, em primeiro lugar, uma escritora, cujo assunto é a história, e cujo objetivo é a comunicação. Tem sempre presente o leitor como um ouvinte cuja atenção deve ser mantida, para que não se vá embora.

                Quem escreve tem várias obrigações com o leitor, se quiser conservá-lo. A primeira é destilar. Deve fazer o trabalho preliminar para o leitor: reunir as informações dar-lhes sentido, selecionar o essencial, rejeitar o irrelevantesobretudo rejeitar o irrelevante – e colocar o restante de modo a formar uma narrativa dramática que se desenvolve de modo a capturá-lo. Oferecer uma massa de fatos não digeridos é inútil para o leitor. Constitui simples preguiça do autor ou pedantismo para mostrar o quanto leu.

                O produto final é resultado daquilo que se escolheu para incluir, bem como daquilo que preferiu deixar de lado. Colocar tudo, simplesmente, é fácil – e seguro – e resulta numa dessas obras de 900 páginas, nas quais o autor abdicou e deixou a leitor todo o trabalho.

                Para eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. Pascal terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: “desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve”.
                O leigo em geral subestima a escrita e se impressiona demais com a pesquisa, como se essa fosse a parte difícil. Não é. 

Escrever, como um processo criativo, é muito mais difícil e leva duas vezes mais tempo.



                O mais importante na pesquisa é saber quando parar. Devemos parar antes de ter acabado. Sem isso, nunca paramos e nunca acabamos.

                Como copiar é um trabalho e um aborrecimento, o uso de cartões – quanto menores, melhor –, para anotações, força-nos a extrair o que é rigorosamente relevante, a destilar desde o começo. 

A seleção é que determina o produto final. Por isso, é melhor usar apenas material das fontes primárias. As fontes secundárias são úteis, mas perniciosas. Use-as como guias no início de um projeto. Mas não acabe simplesmente reescrevendo o livro de algum outro autor. Além disso, os fatos apresentados por uma fonte secundária já sofreram uma seleção prévia, de modo que, ao usá-los, perdemos a oportunidade de fazer nossa própria seleção.

                A tarefa de reescrever o que já é conhecido não encerra atrativos para Bárbara. Não sente estímulo para escrever a menos que esteja aprendendo alguma coisa nova e contando ao leitor algo de novo, no conteúdo ou na forma.

                A arte de escrever – a prova do artista – é resistir à atração de desvios fascinantes e apegar-se ao seu assunto. São necessárias, simplesmente, coragem e confiança para fazer escolhas e, acima de tudo, para deixar certas coisas de lado. O melhor quadro é aquele que mostra as partes da verdade que melhor produzem o efeito do todo.

                Outro princípio, sugerido por Bárbara: não discutir as evidências, as fontes, as teorias, em frente ao leitor. Os processos de raciocínio do autor não cabem numa narrativa. Devemos resolver nossas dúvidas, examinar as provas conflitantes, determinar os motivos atrás das cortinas e discutir nossas fontes nas notas de referências, e não no texto

Entre outras coisas, isso mantém o autor invisível, e quanto menos a sua presença for sentida, maior é a sensação de proximidade que o leitor tem com os acontecimentos.

                Não esqueçamos do aforismo: “ser academicista é acreditar que acúmulo é aprofundamento e que chatice é precisão”.

                Ler, como escrever, é o maior dom com que o homem se dotou, por meio do qual podemos realizar viagens ilimitadas. Ler possui uma sedução interminável. Escrever, pelo contrário, é um trabalho pesado. É preciso sentar-se numa cadeira, pensar e transformar o pensamento em frases legíveis, atraentes, interessantes, que tenham sentido e que façam o leitor prosseguir. É trabalhoso, lento, por vezes penoso, por vezes uma agonia. Significa reorganizar, rever, acrescentar, cortar, reescrever. Mas provoca uma animação, quase um êxtase, um momento no Olimpo! Em suma, é um ato de criação!

(A formatação e os negritos são deste Blog do Maffei)

Professor Fernando Nogueira da Costa (UNICAMP/FAPESP)

Se quiser beber direto da fonte acesse:
CIDADANIA & CULTURA
Blog do Fernando Nogueira da Costa



COMTE, WEBER E DURKEIN: OS PRECURSORES DA SOCIOLOGIA

                         COMTE                                                         DURKEIN                                                        WEBER



AUGUSTO COMTE

(*19/01/1798, Montpellier, França - + 05/09/1857, Paris, França)



            Estudante da Politécnica aos 16 anos, Comte é nomeado em 1832 explicador de análise e de mecânica nessa mesma escola e, depois, em 1837, examinador de vestibular. Ver-se-á retirado desta última função em 1844 e de seu posto de explicador em 1851.

            Apesar de seus reiterados pedidos, não obterá o desejado cargo de professor da Politécnica, nem mesmo a cátedra de história geral das ciências positivas no Collège de France, que quisera criar em benefício próprio.

            A obra de Comte guarda estreitas relações com os acontecimentos de sua vida. Dois encontros capitais presidem as duas grandes etapas desta obra. Em 1817, ele conhece H. de Saint-Simon: O Organizador, o Sistema Industrial, e concebe, a partir daí, a criação de uma ciência social e de uma política científica. Já de posse, desde 1826, das grandes linhas de seu sistema, Comte abre em sua casa, rua do Faubourg Montmartre, um Curso de filosofia positiva - rapidamente interrompido por uma depressão nervosa - (que lhe vale ser internado durante algum tempo no serviço de Esquirol). Retoma o ensino em 1829. A publicação do Curso inicia-se em 1830 e se distribui em 6 volumes até 1842.

            Desde 1831 Comte abrirá, numa sala da prefeitura do 3.° distrito, um curso público e gratuito de astronomia elementar destinado aos "operários de Paris", curso este que ele levaria avante por sete anos consecutivos. Em 1844 publica o prefácio do curso sob o título: Discurso dobre o espírito positivo.

            É em outubro de 1844 que se situa o segundo encontro capital que vai marcar uma reviravolta na filosofia de Augusto Comte. Trata-se da irmã de um de seus alunos, Clotilde de Vaux, esposa abandonada de um cobrador de impostos (que fugira para a Bélgica após algumas irregularidades financeiras). Na primavera de 1845, nosso filósofo de 47 anos declara a esta mulher de 30 seu amor fervoroso. "Eu a considero como minha única e verdadeira esposa não apenas futura, mas atual e eterna". Clotilde oferece-lhe sua amizade. É o "ano sem par" que termina com a morte de Clotilde a 6 de abril de 1846. Comte sente então sua razão vacilar, mas entrega-se corajosamente ao trabalho.

            Entre 1851 e 1854 aparecem os enormes volumes do Sistema de política positiva ou Tratado de sociologia que intitui a religião da humanidade. O último volume sobre o Futuro humano prevê uma reformulação total da obra sob o título de Síntese Subjetiva.

            Desde 1847 Comte proclamou-se grande sacerdote da Religião da Humanidade. Institui o "Calendário positivista" (cujos santos são os grandes pensadores da história), forja divisas "Ordem e Progresso", "Viver para o próximo"; "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", funda numerosas igrejas positivistas (ainda existem algumas como exemplo no Brasil). Ele morre em 1857 após ter anunciado que "antes do ano de 1860" pregaria "o positivismo em Notre-Dame como a única religião real e completa". Comte partiu de uma crítica científica da teologia para terminar como profeta.

            Compreende-se que alguns tenham contestado a unidade de sua doutrina, notadamente seu discípulo Littré, que em 1851 abandona a sociedade positivista. Littré - autor do célebre Dicionário, divulgador do positivismo nos artigos do Nacional - aceita o que ele chama a primeira filosofia de Augusto Comte e vê na segunda uma espécie de delírio político-religioso, inspirado pelo amor platônico do filósofo por Clotilde.

            Todavia, mesmo se o encontro com Clotilde deu à obra do filósofo um novo tom, é certo que Comte, já antes do Curso de filosofia positiva (e principalmente em seu "opúsculo fundamental" de 1822), sempre pensou que a filosofia positivista deveria terminar finalmente em aplicações políticas e nas fundação de uma nova religião. Littré podia sem dúvida, em nome de suas próprias concepções, "separar Comte dele mesmo". Mas o historiador, que não deve considerar a obra com um julgamento pessoal, pode considerar-se autorizado a afirmar a unidade essencial e profunda da doutrina de Comte.


            Comte, afirmando vigorosamente a unidade de seu sistema, reconhece que houve duas carreiras em sua vida. Na primeira, diz ele sem falsa modéstia, ele foi Aristóteles e na segunda será São Paulo.

MAX WEBER

( *21/04/1864, Erfurt, Alemanha – + 14/06/1920, Munique, Alemanha)



            Para Weber a sociedade pode ser compreendida a partir do conjunto das ações individuais. Estas são todo tipo de ação que o indivíduo faz, orientando-se pela ação de outros.

            Só existe ação social, quando o indivíduo tenta estabelecer algum tipo de comunicação, a partir de suas ações com os demais.

            Weber estabeleceu quatro tipos de ação social. Estes são conceitos que explicam a realidade social, não é a realidade social:

  1. ação tradicional: aquela determinada por um costume ou um hábito arraigado;
  2. ação efetiva: aquela determinada por afetos ou estados sentimentais;
  3. racional com relação a valores: determinada pela crença consciente num valor considerado importante, independente do êxito desse valor na realidade;
  4. racional com relação a fins: determinada pelo cálculo racional que coloca fins e organiza os meios necessários.

            Nos conceitos de ação social e definição de seus diferentes tipos, Weber não analisa as regras e normas sociais como exteriores aos indivíduos.

            Para ele as normas e regras sociais são o resultado do conjunto de ações individuais.

            Na sua concepção o método deve enfatizar o papel ativo do pesquisador em face da sociedade.


EMILE DURKEIN

(* 15/04/1858, Epinal, Lorena, França – + 15/11/1917, Paris, França)


            No pensamento durkeiniano a sociedade prevalece sobre o indivíduo, pois quando este nasce tem de se adaptar às normas já criadas, como leis, costumes, línguas, etc.

            O indivíduo, por exemplo, obedece a uma série de leis impostas pela sociedade e não tem o direito de modificá-las.

            Para Durkein o objeto de estudo da Sociologia são os fatos sociais. Esses fatos sociais são as regras impostas pela sociedade (as leis, costumes, etc., que são passados de geração para geração).

            É a sociedade, como coletividade, que organiza, condiciona e controla as ações individuais. O indivíduo aprende a seguir normas e regras que não foram criadas por ele, essas regras limitam sua ação e prescrevem punições para que não obedecer aos limites sociais.

            Durkein propôs um método para a Sociologia que consiste no conjunto de regras que o pesquisador deve seguir para realiza de maneira correta, suas pesquisas. Este método enfatiza a posição de neutralidade e objetividade que o pesquisador deve ter em relação à sociedade: ele deve descrever a realidade social, sem deixar que suas idéias e opiniões interfiram na observação dos fatos sociais.


DE ONDE VEM O SENTIDO MODERNO DA PALAVRA CIDADANIA?

Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais

Contrariamente do que muitos pensam o sentido moderno da palavra cidadania, não vem do grego, mas sim da França Revolucionária. O sentido moderno de cidadão nasce nos primeiros dias de outubro de 1774, na França, em discurso de Beaumarchais (1732 –1799). A acepção atual de cidadania é, portanto, posterior ao século XVIII.


DEFINIÇÃO:

    Em sentido etimológico, cidadania define a condição daqueles que residem na cidade. Ao mesmo tempo, o termo se refere à condição de um indivíduo como membro de um Estado, como portado de direitos e obrigações. A associação entre esses dois significados deve-se a uma transformação histórica de grande alcance, fundamental ao mundo moderno: a formação dos Estados centralizados, impondo jurisdição uniforme sobre um território não limitado aos antigos burgos ou cidades medievais.

    O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre, portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em lei. A associação não é espúria, pois evidentemente é nas cidades que originalmente se formam as forças sociais mais diretamente interessadas na individualização e na codificação uniforme desses direitos: a burguesia e a moderna economia capitalista.

    Em seus primórdios, a constituição do Estado moderno e da economia comercial capitalista representam uma grande força libertária, em primeiro lugar, pela dilatação dos horizontes, pela emancipação dos indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente daquela transmitida como herança familiar; libertária, enfim, ante as tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade geográfica e social. Mas libertária, sobretudo, pela imposição de uma jurisdição uniforme, quebrando o arbítrio dos senhores feudais e reconhecendo aos habitantes do território, independentemente de sua ocupação ou condição sócio-econômica, os mesmos direitos e obrigações.

    A cidadania tem um aspecto sociológico e um aspecto político. Nesse último sentido ela expressa aquela igualdade perante a lei – a égalité da Revolução Francesa – conquistada pelas grandes revoluções (inglesa, francesa e norte-americana), e posteriormente reconhecida em todo o mundo.



UM DIREITO DE BURGUÊS.

    É indiscutível que a cidadania é, na origem, um direito burguês, no sentido de que as novas relações sociais e políticas a que ela se refere interessavam de maneira mais real e direta à nova classe comercial e industrial das cidades. Ao mesmo tempo, sua reivindicação – por exemplo, na filosofia de Locke – como soma de direitos fundamentais do indivíduo, qualquer que fosse sua posição social ou ocupação (direitos anteriores à própria sociedade na ficção do ‘contrato social’), tornava-os logicamente independentes da estrutura social, isto é, neutros quanto aos seus beneficiários presentes e potenciais. É essa qualidade da teoria dos direitos naturais – o fato de se colocar como um padrão ou critério externo à sociedade existente, e a partir do qual ela deve ser julgada – que lhe confere caráter especificamente revolucionário.

Vejamos o que diz Maurício Segall:

‘Ao perguntar a alguém o que achava que é cidadania, ouvi a resposta: “É a garantia do pleno exercício dos direitos e dos deveres definidos na Constituição para os cidadãos brasileiros”.
‘Trata-se de um conceito evidentemente insuficiente – de um lado, por ser formal e, de outro, por refletir, em países como o nosso, as conjunturas vigentes, plenas de casuísmos e de interesses subalternos, por ocasião da feitura das Constituições. Mas, formal, ou não, o conceito tem algo a ver claramente com a incorporação efetiva, e não abstrata, do conjunto da população à prática de um direito.

‘Por via das dúvidas fui ver no Aurélio e encontrei as definições seguintes – Cidadão:

1)      Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado ou no desempenho de seus deveres para com este.
2)      Habitante da cidade;

Cidadania:
1)      Qualidade ou estado de cidadão;
2)      O termo define a condição daqueles que residem na cidade.

‘Há uma clara conotação histórica idealista entre o conceito de cidade (a partir da polis grega) e o de homem livre. É curioso notar que, em diversas línguas latinas ou anglo-germânicas, e inclusive na grega, os termos “cidadania” e “cidadão” estão etimologicamente ligados ao termo “cidade”. Mais significativo é que tenham permanecido ao longo do tempo, apesar de seu conteúdo ter se ampliado para expressar algo muito mais complexo e de significado amplo. Há explicações históricas para isso, como por exemplo a passagem do significado limitado – da cidadania nos burgos – ao significado amplo de cidadania nacional, na formação dos Estados modernos.
   ‘Mas nem por isso as ambiguidades desapareceram. Vejamos:

Português
cidade
cidadão
cidadania
grego
Polis
(mesma raiz)

latim
Civitas
Civis
Civitatanum
inglês
City
Citizen
Citizenship
espanhol
Ciudad
Ciudadano
Ciudadania
italiano
Cittá
Cittadino
Citoyenneté
francês
Cité
Citoyen
Citoyenneté
alemão
Burg
Bürguer
Bürguerecht

‘Tudo indica que essa ambiguidade nasce no início da civilização ocidental. O equivalente grego de um cidadão era aquele que tinha direito a frequentar a Ágora da pólis. Mais tarde, em 1774, aparentemente o tema foi usado pela primeira vez, no sentido moderno, num discurso de Beaumarchais. Assim é que, somente no final do século XVIII, o termo “cidadania” surgiu na língua portuguesa. Tratava-se então de um direito burguês, embora os filósofos, que lidavam com o conceito de direito natural, procurassem ampliar seu conteúdo.
‘Posteriormente, com a revolução americana, a postulação dos direitos fundamentais avançou na abrangência do conceito.
‘Dessa forma, apesar de toda a evolução filosófica e política, o conceito de cidadania, queira-se ou não, continua carregado implicitamente de um conteúdo de privilégio, elitismo e discriminação. No começo era pelo social (classe) e hoje, cada vez mais, pelo urbano, em detrimento do rural, ou pelo central em detrimento do periférico. Por isso também é incompleta a conceituação de cidadão como indivíduo que, em relação ao Estado, vive sob o império da lei.
‘O pensamento liberal está pleno dessas imperfeições e, objetivamente, contrafacções. O que coloca concretamente para nós o problema da cidadania nos “Brasis” c, d, e até o z dos índios. Nos “Brasis” do campo, do agreste, da miséria rural, das pequenas cidades, das periferias, da floresta.’

Referências Bibliográficas: 


SEGALL, Maurício. CONTROVÉRSIAS E DISSONÂNCIAS. 1.ª Edição, Editora Boitempo, São Paulo-SP, 2001.

Enciclopédia Mirador - 1993



terça-feira, 30 de maio de 2017

O ATENTADO AO SHOW DE ARIANA GRANDE E VOCÊ QUE SE COLOCA A FAVOR DE UMA INTERVENÇÃO MILITAR




          No último dia 22 de maio, num show para adolescentes e crianças, da cantora americana Ariana Grande em Manchester no oeste da Inglaterra, ocorreu um terrível atentado que matou 22 pessoas e deixou 59 feridos.
                 Uma cena horripilante reivindicada pelos extremistas do Estado Islâmico.
                   Temos noção da tragédia que tais atos conferem, não só para as pessoas e país atingido, mas também para a paz, tanto que foi repudiado pela maioria dos líderes mundiais do Papa Francisco à Benjamin Netanyahu e de Donald Trump à Vladmir Putin.
                  O que nos causa estranhamento é que entre nós, brasileiros, muitos que condenam este ato, pedem de volta um regime ditatorial que, só não patrocinou, um massacre como esse de Manchester,porque a bomba estourou antes no colo do militar que iria cometer um ato terrorista no RioCentro no Show de Primeiro de Maio de 1981.



                 Vejamos essa reportagem do Jornal Zero Hora:

DOCUMENTOS REVELAM COMO O EXÉRCITO SE ARTICULOU PARA OCULTAR EXPLOSÕES NO RIOCENTRO

Ataques tinham como alvo o show com cerca de 20 mil pessoas no Rio de Janeiro, há 31 anos.
Missão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes “supervisores” da ação foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985. Tudo isso a população brasileira já intuía, por meio de depoimentos. O que até agora permanecia oculto – e está sendo revelado por Zero Hora, em primeira mão – são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de abafamento do incidente, arquitetadas por servidores da repressão.
O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel reformado do Exército Júlio Miguel Molinas Dias – assassinado aos 78 anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de um crime ainda nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, conhecido como Aparelhão. O arquivo do coronel continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo “confidencial” ou “reservado”. O calhamaço evidencia que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas.
Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial. A unidade comandada por Molinas era responsável por espionar e reprimir opositores ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca. Ao se aposentar, o coronel levou para casa documentos preciosos, contando pormenores da sigilosa rotina da caserna. O dossiê deixa transparecer que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi, distante 30 quilômetros do centro de eventos.


Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos. Há inclusive uma orientação para simular o furto do veículo pertencente ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com pistas que seriam comprometedoras.

Oficiais forjaram cenário da ação
O acervo de Molinas foi arrecadado pela Polícia Civil gaúcha após o assassinato dele e revela detalhes inéditos do lado de dentro dos portões de uma das mais temidas unidades das Forças Armadas durante os anos de chumbo.
Zero Hora teve acesso a memorandos datilografados e também manuscritos, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente após a explosão. São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona.
Os papéis contêm medidas de prevenção para segurança de militares, recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e artefatos explosivos no paiol do quartel para destruição coletiva e individual. Mas o mais espesso lote de documentos do coronel é do tempo em que ele dava as ordens no comando do DOI-Codi.
De próprio punho, o coronel Molinas teria redigido parte desses memorandos, divididos em dias, horas e minutos. Trabalho facilitado porque era detalhista. Um verdadeiro soldado espartano. Em meio à papelada sobressaem-se relatórios sobre o desastroso atentado no centro de convenções Riocentro. Uma das duas bombas que explodiram durante um show musical acabou matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson Luiz Chaves Machado, chefe da seção de Operações do DOI-Codi.
Os papéis do coronel Molinas mostram que Rosário tinha o codinome de Agente Wagner e Wilson era chamado Dr. Marcos (militares de baixa patente eram chamados de agentes e oficiais eram doutores, na gíria da espionagem).


CORONEL TINHA CARTILHA COM ORIENTAÇÕES PARA OS SERVIÇOS DE ESPIONAGEM
Entre o acervo do DOI-Codi que o coronel Julio Miguel Molinas Dias mantinha em sua residência, em Porto Alegre, está uma cartilha orientando como militares do serviços de inteligência e espionagem deveriam se comportar no dia a dia para evitar eventuais atentados de "subversivos".
O documento indica que as medidas de segurança foram compiladas e distribuídas aos militares após Carlos Marighella lançar um minimanual da guerrilha urbana, em 1969.
São 57 recomendações denominadas "medidas de segurança" distribuídas em 10 páginas. Veja algumas delas:
A pé:
— Evitar andar desarmado e NUNCA use a arma de modo ostensivo
— Jamais tente, por conta própria, dar uma cana (prender alguém). Caso a situação exija, chame a polícia ostensiva.
— Porte apenas documentos necessários a sua identificação, JAMAIS use o quente e o frio (documentos) ao mesmo tempo.
No automóvel
— Não use e nem deixe armas no porta-luvas.
— Antes de entrar no veículo, faça inspeção geral quanto à possível violência nas portas, vidros, etc.
— Nas paradas obrigatórias em sinais de trânsito ou nos engarrafamentos procure ficar atento a quem se aproxima.
— Evite nestas ocasiões ouvir música e namorar.
Na residência
— Sendo possível, use cães de guarda.
— Instrua familiares e empregados para não entregar objetos ou volumes a estranhos que se apresentarem verbalmente em seu nome.
— Nas residências térreas é conveniente instalar alarmes.
— Nas residências em prédios de apartamentos, nunca confie inteiramente em porteiros ou vigias. Eles podem ser subornados ou mesmo dominados.
Medidas de segurança em bares e restaurantes
— Nunca permaneça de costas para rua.
— Procure ocupar mesa junto à parede dos fundos, de modo a não ficar de costas para estranhos.
— Não exceder no consumo de bebida alcóolica.
— Procure não se tornar NOTADO pelos demais.
— Evite se tornar frequentador assíduo e muito conhecido, principalmente em locais de aperitivos.
Em bancos, casas comerciais, etc.
— Não portar cheques em branco previamente assinados.
— Em supermercado, não coloque sua capanga ou bolsa contendo arma, dinheiro e documentos dentro do carrinho de compras.
Em transportes coletivos
— Procure sentar-se nos últimos bancos quando viajar de ônibus, e próximo às portas quando for de trem.
— Em ônibus interurbanos nunca coloque na mala a capanga, bolsa ou casaco contendo armas, documentos ou dinheiro fora do seu alcance. Lembre-se que poderá dormir e acordar sem seus pertences.




José Luís Costa e Humberto Tezzi - Jornal Zero Hora 24/11/2012

POR QUE SOMOS PRETOS, BRANCOS, VERMELHOS, AMARELOS?

Como surgiram as raças que constituem a humanidade?



            Primeiro, é preciso deixar bem claro que a maioria dos cientistas rejeita o termo "raça"(*) para se referir a seres humanos. Afinal, são insignificantes as variações genéticas entre um europeu e um africano, ou entre esse e um asiático. Por isso, só há sentido em falar de uma única raça humana. 
           Mas também é verdade que entre esse mesmo europeu, o africano e o asiático existem diferenças físicas que qualquer um pode enxergar. Essa diversidade apareceu ao longo do tempo, à medida que o homem precisou se adaptar na marra aos diversos ambientes e regiões que foi ocupando no planeta. 
           Ao chegar e se estabelecer num local mais frio e pouco ensolarado, por exemplo, uma pele mais clara ajudava a aproveitar melhor os raros raios solares - importantes, entre outras coisas, para o corpo produzir vitamina D. Dessa forma, toda essa população clareava sua pele de geração em geração, por meio da seleção natural.




           O antropólogo americano Eugene Harris, pesquisador visitante do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), destaca que o isolamento foi um elemento importante nesse processo de diferenciação. Um grupo que não mantinha contato com outros arranjava soluções próprias para enfrentar os desafios do ambiente em que vivia. 
           Dessa adaptação forçada nas andanças pela Terra, surgiram os três grandes grupos em que o ser humano tradicionalmente é dividido: negróides, caucasianos e mongolóides. Apesar das diferenças físicas, todos eles tiveram os mesmos ancestrais, que, provavelmente, viviam na África há, no mínimo, 150 mil anos. De lá, o homem começou a invadir outras regiões e continentes. Primeiro, o Oriente Médio. Depois, a Ásia, a Europa e a Oceania. Por último, chegou aqui na América, quando a variedade de tipos humanos já era um fato.


1 - Evidências arqueológicas indicam que o Homo sapiens surgiu na África há pelo menos 200 mil anos. Cem mil anos atrás, ele começou a se espalhar pelos outros continentes. O primeiro destino foi o Oriente Médio


2 - Entre 70 mil e 50 mil anos atrás, surgiram duas novas rotas de migração do Homo sapiens: uma população seguiu do Oriente Médio para o restante do continente asiático e a Austrália. O outro grupo rumou em direção à Europa


3 - No nordeste da Ásia começou a viagem que levaria o homem a ocupar a última região do planeta: a América. Estima-se que isso possa ter ocorrido até 30 mil anos atrás, embora os fósseis mais antigos achados no continente americano não ultrapassem 15 mil anos


Herança da migração


As andanças do ser humano deram origem a seus três principais grupos étnicos:


Negróides - Grupo formado pelas populações que permaneceram no continente africano. A cor da pele, escura, é sua principal característica. Lábios grossos e narinas largas também são traços comuns


Caucasóides - O nome refere-se à região do Cáucaso, no sul da Rússia, onde as primeiras populações desse grupo teriam vivido. Acabaram desenvolvendo uma pele mais clara porque se espalharam pela Europa, onde a pele escura prejudicava a absorção dos raios do Sol, bem mais raros que na África


Mongolóides - Surgiram em regiões da Ásia de baixas temperaturas. Isso explicaria características físicas como o nariz mais achatado - adaptação adequada para evitar o congelamento que atinge principalmente as extremidades do corpo. A população humana que se espalhou pelo continente americano seria um subgrupo dos mongolóides.

(*) RAÇA: A noção de raça se configurou no pensamento ocidental a partir das obras de filósofos e cientistas dos séculos XVIII e XIX, que, em geral, caracterizavam os povos apoiando-se nas diferenças aparentes e os hierarquizavam a seu modo, tratando, sobretudo, as raças brancas como superiores às raças amarelas e mais ainda às negras, dentre outras. As ciências naturais contemporâneas apontam para a inexistência de raças biológicas, preferindo falar em uma única espécie humana. No entanto, as ciências sociais, reconhecendo as desigualdades que se estabeleceram e se reproduzem com base no fenótipo das pessoas, especialmente em países que escravizaram africanos (as), concordam com a manutenção do termo raça como uma construção social que abrange essas diferenças e os significados a elas atribuídos, que estão na base do racismo. A noção de “raça” para o Movimento Negro não está pautada na biologia. O que se denomina raça codifica um olhar político para a história do negro no mundo.



 Roberto Navarro (Revista Mundo Estranho da Abril)

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