domingo, 4 de junho de 2017

A REPÚBLICA QUE JÁ NASCEU VELHA - O SISTEMA OLIGÁRQUICO NO BRASIL




         O regime republicano inaugurado a 15 de novembro de 1889 correspondeu à necessidade de prover-se hegemonia política ao grupo que, desde a segunda metade do século XIX, vinha se afirmando como economicamente dominante: os cafeicultores. O poder político, já na década de 1890, concentrou-se em suas mãos, dentro da dinâmica da ‘política dos governadores’ inaugurada por Campos Sales. 

            Esse esquema de dominação, que alijava os demais grupos do centro decisório, pôde manter-se graças a um sistema eleitoral que permitia manipulações, desde a fraude à violência física.O setor agroexportador engendrou uma fórmula política que refletia sua estrita dependência em relação ao sistema capitalista internacional. O liberalismo era o manancial ideológico desse poder. Os princípios de livre concorrência, de superioridade da economia de mercado justificavam a divisão internacional do trabalho — que nos reservara o papel ‘natural’ de produtores de matérias-primas — e a dominação do setor agroexportador sob o conjunto da economia nacional. Ao mesmo tempo, o liberalismo impedia qualquer forma de intervenção estatal, garantindo a autonomia dos Estados, que de certa forma se manifestava, juridicamente, na própria Federação. A descentralização administrativa legitimava a hegemonia dos grupos oligárquicos de maior expressão econômica, enquanto os demais grupos se articulavam a estes, unidos por uma identidade fundamental: a propriedade da terra. Mantinha-se, assim, o equilíbrio político a nível nacional, pois não havendo antagonismos profundos entre os proprietários de terra, a autonomia federativa garantia os interesses de cada oligarquia em seu âmbito específico. Os atritos e dissidências ocorridos no período apenas retrataram divergências imediatas, conflitos de ambições eleiçoeiras, ou, então, nos momentos de crise, prejuízos dos grupos não vinculados ao café, pelas medidas de defesa do produto.

         A própria manutenção da hegemonia dos cafeicultores, entretanto, ao permitir lucros crescentes, implicou no desenvolvimento econômico, na urbanização, na acumulação de capital pelos excedentes da exportação e no incentivo à produção industrial. Surgiram, então, forças econômicas e sociais que iriam, gradualmente, reivindicar participação política e contestar o regime vigente.


         O sistema político e econômico estruturado pela oligarquia cafeeira era, porém, muito rígido. Nele não cabiam canais de representação para os novos grupos, nem mecanismos que pudessem neutralizar os efeitos crescentes das flutuações econômicas internacionais. O sistema de defesa do café, primeiramente apoiado na desvalorização de nossa moeda e depois na compra e estocagem do produto, implicava em custo social geral. Em momentos de crise aguda, os grupos sociais não vinculados ao setor tornavam-se antagônicos e a insatisfação crescia nos setores urbanos.



            Em geral, porém, até a década de 1920, as camadas médias urbanas, os operários e os trabalhadores urbanos foram mantidos à margem da expressão política. As camadas médias urbanas constituíam um aglomerado heterogêneo, incapaz de articular contestações além das reivindicações de contenção do custo de vida, de melhores moradias ou de ‘verdade eleitoral’. Os trabalhadores rurais, mantidos na ignorância e dentro do rígido círculo do controle coronelístico, não ultrapassavam os limites da violência social expressa no banditismo ou no fanatismo religioso. O operariado urbano, pressionado por baixos salários, por castigos corporais, pela ausência de qualquer proteção, lentamente se articulava.


         O desenvolvimento da urbanização e da industrialização, subjacentes ao progresso do setor cafeeiro, faziam, entretanto, avançar a diferenciação social. O aumento gradativo das camadas intermediárias urbanas e, conseqüentemente, seu maior peso político, ao lado do crescimento da capacidade de organização e de mobilização do operariado, evidenciaram as limitações do sistema oligárquico, nos anos vinte. Os setores urbanos, a partir de então, manifestaram-se ativamente, aliando-se às dissidências oligárquicas, apoiando o movimento tenentista e reivindicando efetiva participação política.

         O movimento operário crescia e não era mais possível ignorar sua importância, por mais desarticuladas e descontínuas que fossem suas manifestações. A indústria, nascida à sombra dos cafezais, estimulada e nutrida pelos capitais cafeeiros, organizava-se.


         A hegemonia oligárquica entrava em crise. O que fora novo em velho se tornara, ultrapassado pelo desenvolvimento do setor que ele mesmo criara. Era preciso redefinir o pacto social e dissolver o acordo político que sustentava o regime. Era fundamental encontrar saídas para a economia agroexportadora, afogada pela superprodução e pelo desequilíbrio do mercado. Era inadiável atender à questão social e absorver suas reivindicações, regulamentando as relações entre capital e trabalho. A crise interna caminhava, assim, para a redefinição do papel do Estado e para a formulação de soluções que pudessem combater a crise econômica, que se delineava.


         Apoiado pela manipulação do voto rural, o sistema oligárquico não podia adaptar-se à estrutura social e econômica do país, que caminhava para a industrialização. O poder dos cafeicultores estava ferido de morte. O sistema partidário que lhe garantira sustentação estava esgotado e as dissidências, agora, eram profundas.


         A República oligárquica desabava. Velha, sentia-se sua incapacidade em assimilar as mudanças internas. Débil, era pressionada pela crise econômica mundial. Não era um fim violento, dramático. Era a destruição paulatina de um sistema político-econômico, desencadeada a partir de suas contradições internas e acelerada pela crise mundial.


         Desde 1922 o processo de contestação do regime tinha, em sua vanguarda, o movimento tenentista. Este, se não era, essencialmente, um movimento coeso e de ideologia precisa, representava, de qualquer forma, renovação. E suas manifestações em favor de um regime mais representativo foram endossadas pelas facções descontentes e pela maioria da população urbana.


         A solução tenentista não era, porém, a única vertente revolucionária do fim da década de 20. Várias eram as propostas políticas que se articulavam para modificar a estrutura de dominação em vigor. Revolução era o tema principal do Partido Democrático de São Paulo e revolução era a aspiração dos setores operários em ascensão.


         O processo que culminou com a deposição de Washington Luís, em 1930, foi a revolução vencedora, articulada pelas elites dissidentes. Cabia a estas o papel de reorganizar a sociedade, controlar a crise, neutralizar as forças sociais em conflito questões cruciais que marcarão indelevelmente o quadro histórico aberto com a Revolução de 1930”.



José Jobson de Andrade Arruda


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